A boneca inflável


Era ainda de madrugada numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, um lugar tranquilo, onde o mineiro come quieto seu pão de queijo sem incomodar ninguém, quando Vaconilda resolveu fazer as malas e ir embora com seu amante Lindomar. Estava deixando para trás seu ex-marido Dejair, um homem franzino que escondia, atrás da sua barba de macho e do seu bigode mexicano, a falta dos seus dentes caninos. Era apenas um pobre rapaz apaixonado.
Eles moravam numa casinha no fundo do quintal da casa da mãe de Dejair. Dona Palmira cuidava do filho como se fosse um tesouro, pois era tudo o que restou do seu casamento depois da sua viuvez.
Vaconilda nem olhou para trás, juntou todas as suas traias e saiu pela porta. Entrou no caminhão de Lindomar e nunca mais voltou. Dejair encostou sua cabeça no travesseiro e chorou de tristeza. Ele não sabia por que sua cabeça estava tão cansada...

Os dias foram passando, enquanto Dejair quase furou todos os discos da sua coleção do Odair José. A sua canção preferida era "Eu vou tirar você desse lugar", porque a primeira vez que ele foi num prostíbulo chamado “Boate Azul”, conheceu Vaconilda, aquela linda loura de cabelo cacheado, tão cacheado, que parecia uma ovelha, a desgraçada. Ela era a donzela mais requerida pelos clientes, por causa da sua enorme bunda, a mesma que lhe colocou tantos enfeites de cabeça. Mas, mesmo assim, ele não conseguia esquecer a Vaconilda.

O dia dos namorados já estava chegando e Dejair estava se sentindo tão solitário. Resolveu dar uma volta de bicicleta no jardim da praça, a única que havia em sua cidade com um coreto bem no centro. Ali, todos os finais de semana, os solteiros se encontravam para ficar paquerando. Do outro lado, estava a banca de revistas do ZéMané. Dejair foi até lá e ficou olhando as revistas. Numa capa da “Playboy” tinha uma loura parecida com a Vaconilda, ele gostou e comprou. Voltou um pouco mais contente para casa, desejando alimentar sua saudade.

Toda vez que Dejair fazia barulho no portão, sua mãe gritava lá de dentro de casa:

- Dejair? É ôcê, meu fio? - Ele logo respondia:
- É eu, mãe!

Dejair passou semanas vendo aquela revista e até fez uma encomenda. O correio mandou um aviso para ele retirar sua encomenda. De bicicleta mesmo, ele foi até o correio e trouxe a caixa na garupa. Quando chegou, sua mãe gritou:

- Dejair? É ôcê, meu fio?
- É eu, mãe!

Interessado em abrir logo aquela caixa, foi logo fechando as janelas e a porta de sua casa, para ninguém incomodá-lo. Pela milionésima vez, colocou o disco de vinil na sua vitrola vermelha, para ouvir "Eu vou tirar você desse lugar". No interior da caixa, um manual de instruções:

Primeiro: tire da embalagem de plástico; (ele percebeu que era quase do seu tamanho)
Segundo: tire a tampa do bico e assopre; (o coitado do Dejair, tão raquítico, quase morreu de tanto assoprar, aí ele teve uma ideia)

Vendo que ele não tinha mais forças para assoprar, fechou o bico e embrulhou sua encomenda num lençol. Amarrou tudo na garupa da bicicleta e foi até o único posto da sua cidade. Lá, encontrou com o Ricardão, o cara que enchia os pneus dos carros. Dejair não queria que o Ricardão visse sua encomenda, pediu para que ele se afastasse que ele mesmo enchia. Na verdade, Dejair não queria que outro homem colocasse mais a mão, naquilo que lhe pertencia. Isto lhe causava coceiras na testa.

Mas, o inesperado aconteceu, ele encheu tanto, tanto aquela coisa que ela escapou das suas mãos e saiu voando, soltando ar por todo o posto. Todos viram que era uma boneca inflável. O Ricardão ficou olhando assustado, como todos os que estavam no posto. Enquanto todos riam, rapidamente, Dejair segurou a boneca inflável e fechou o bico. Ela tinha 1,60 de altura e teve que ser levada na garupa, estranhamente sentada com o lençol cobrindo e amarrada para não cair.

Dejair chegou ofegante em sua casa:

- Dejair? É ôce, meu fio?
- É.........eu.......mãe......! - a mãe sentiu que a voz dele estava diferente.

Ele foi entrando logo no quintal, para sua mãe não ver ou perguntar o que ele trazia na garupa da sua bicicleta. Depois de descansar e beber muita água, o disco do Odair José já estava tocando "Eu vou tirar você desse lugar", quando pegou novamente o manual de instruções da sua encomenda:

Primeiro....já foi
Segundo...já foi
Terceiro: passe a pomada lubrificante nos orifícios. (a pomada faz parte do Kit erótico)
Quarto: aperte o botão "on" (ele levou um susto!)


A boneca inflável falava: - Excita-me!....Excita-me!...Excita-me!....e seus olhos acendiam duas luzinhas azuis e no meio, aquela boca redonda pintada de vermelho, no meio da cabeleira loura. Os seios tinham bicos rosa-choque, os pelos pubianos eram penugens louras que decoravam outro buraco redondo pintado de rosa, do outro lado, uma quase bunda.
Quinto: se desejar vestir a boneca, ela tem: calcinha, sutiã, mini saia e camisa de botão.

O pobre rapaz apaixonado desligou o “Excita-me!...Excita-me!”, deitou na cama ao lado da sua boneca inflável e começou a contar pra ela toda sua triste história de vida. Chorou, riu e cantou as músicas do Odair José para a boneca conhecer. Até que, de repente, ouviu alguém bater na porta:

- Dejair? Quem taí c'ôcê, meu fio? - ele abriu a janela e respondeu:

- É ninguém, mãe! - enquanto isso o bico da boneca inflável abriu e ela saiu voando pela janela, soltando o ar. A mãe dele, assustada, gritou:

- Dejair onde ôcê arrumou essa muié vuadora, meu fio? 
- Gaguejando ele respondeu: - Mãe, isso é coisa do Odair José, ele que fica tirando a ‘muierada’ desse lugar...
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*Lançado em 20/09/14 -  Contos Livres - Edição Especial 2014 - CBJE - Rio de Janeiro.

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